sábado, 10 de agosto de 2024

Dom Vespúcio na Serra Fluminense



San Pedrito Sétimo Distrito -- Pedra do Maforte altitude 1.385 m

No século dezoito Lumiar era um pouso para descanso e abastecimento para as tropas que vinham do litoral, subindo ao longo do rio Macaé, como caminho alternativo para terras mineiras, onde se buscavam o ouro, os diamantes e as pedras. Já no início do séc. 16, os portugueses se utilizavam dos portos de Macaé, Búzios e Cabo Frio, onde instalavam fortificações e feitorias.
É certo que muitas tropas atravessaram por Lumiar e São Pedro em direção à praça friburguense do Morro Queimado... E dali para Cantagalo e Minas, na corrida para os metais e pedras preciosas durante estes séculos.
A lenda do Mão de Luva, nobre e cortesão dissidente em Lisboa, que teria se transformado em contrabandista de ouro, que teria cruzado pela rota do rio Macaé ao final do séc. 18... deve ser uma das muitas estórias da avidez pelas riquezas minerais deste período. [a]

O povoado que recebeu o nome de Lumiar já deveria existir bem antes da fazenda de Felipe de Roure, que comprou as terras de Alto Macaé em 1823, com apoio de Dom Pedro I. Roure era descendente de nobres franceses que tinham vindo para esta região junto com a frota de Dom João VI em 1808, devido à invasão de Napoleão. Esta família de nobres havia fugido da Rev. Francesa e se instalado num vilarejo com nome de Lumiar, próximo a Lisboa. A esposa de Roure era desse lugar. Ele deu o nome de Lumiar para sua fazenda.
avozdaserra.com.br/noticias/distrito-de-lumiar-celebra
... "Essas famílias nem chegaram ao Rio de Janeiro: desembarcaram na Costa do Sol, provavelmente Macaé ou Barra de São João, e subiram a serra onde hoje é a Estrada Serramar."
Em 1889 o distrito é oficialmente fundado com este nome.




O Mão de Luva teria utilizado as grutas da Pedra Riscada para esconder seu tesouro









[a] Parecem existir duas lendas do “Mão de Luva” diferentes, que ficaram mescladas, como recortes mitológicos sobrepostos dos épicos do séc. Dezoito na região.
Desde a Guerra dos Emboabas (confronto entre paulistas e mineradores de outras regiões, durante a “febre do ouro” em 1705, na região da atual São João del Rey) – toda a região em torno de Vila Rica foi tomada por vários tipos de aventureiros, contrabandistas e mineradores, mas o Governo-Geral, no Rio de Janeiro, conseguia manter o controle militar e administrativo.
É nessa paisagem social que surge a figura do “Mascate” Manuel Henriques, que seria natural da Freguesia de Ouro Branco, nascido em 1735. Ele parece liderar um bando de milicianos independentes, que atuava na região de São João del Rey, ao longo dos anos de 1770, fazendo o contrabando, isto é, não pagando o “quinto” à Coroa. Enquanto o ouro dessa região era retirado de cavernas, na região de Cantagalo uma nova corrida mitológica surge nos anos 80, desta vez para o ouro em pepitas e pedritas, a serem garimpadas no leito dos rios.
Certamente, para os índios que receberam a frota de Vespúcio, este ouro seria desconhecido, ou desinteressante. O navegador recebe notícias vagas, apenas do ouro que seria do interior de Minas. A corrida para o ouro em Cantagalo nos anos de 1780 faz com que Manuel Henriques se instale na região, com seu bando, fundando o arraial que tem este nome até hoje. Ele foi cercado e preso pelos soldados do Vice-Rei em 1786, em sua fazenda em Cantagalo, e degredado. Não parece haver nenhuma relação deste personagem, que ficou conhecido como "Mão de Luva", e a lenda de um outro contrabandista, vindo do litoral, com o mesmo apelido de “Mão de Luva”.
É provável que uma outra corrida para pedras preciosas, desta vez na região da atual Teófilo Otoni, nos anos de 1780/90, tenha atraído o nobre decadente “Mão de Luva” para a região do Rio Macaé:
Ele seria um Duque, acusado de dissidente político na Corte em Lisboa, estando o Rei Dom José já enfermo, e mantendo ele um caso amoroso com a Princesa, futura Rainha Maria. Havendo sido degredado, ele tinha em sua mão a luva que teria sido “beijada pela Princesa na última despedida que tiveram”...
Não há sinais do outro “Mão de Luva” na Serramar, mas a lenda de que este Mão-de-Luva original “guardava seus tesouras em grutas", na Serramar, lenda oral que se tornou persistente na região, indica que seu propósito seria mandar as pedras preciosas para o porto macaense, e para Lisboa como contrabando...

Américo Vespúcio
Como piloto ou navegador de uma das naus na expedição portuguesa [1501-1502 -- 3 caravelas] em que ele veio ao Brasil pela primeira vez, Americo Vespúcio relata a descoberta de todo o litoral desde o cabo de São Roque [5° 30' S] até o sul da Bahia, e o Cabo Frio [22° 53' S], e dali até pelo menos o Rio da Prata e Ilhas do Sul [50° Sul]. Eles haviam se encontrado com uma das naus da frota de Cabral, que retornava da Índia, no porto de Senegal. Com as informações certas, vieram dar no nordeste, e em Porto Seguro, onde Cabral deixara um marco. Em seguida descobriram as enseadas formosas e convidativas para as naus entre Búzios e Cabo Frio... Este passou a ser um local de referência para todos os navegadores, porque a costa do continente aí se volta para Oeste, e os navegadores sentem o vento gelado da Antártida.
Ao longo dos séculos houve muitas disputas sobre as versões que aparecem nas cartas de Vespúcio, com a descrição das expedições em que participou, como cósmografo, ou piloto, ou comandante. O termo Cabo Frio passou a designar ora os dois promontórios [búzios + arraial do cabo], ora toda a região até a Guanabara, que foi divisada por esta expedição em Janeiro de 1502.
Nuno Manuel, Comandante da expedição, foi batizando conforme os dias, com datas, ou nomes dos santos católicos (São Roque, Santo Agostinho, São Tomé, São Vicente), os cabos, enseadas ou estuários dos rios. Eles chegaram à Guanabara no dia 1° de Janeiro, mas não entraram na Baía, acharam que era a foz de um rio, o “Rio de Janeiro”... (Varnhagen, pag. 82)

Em sua segunda expedição portuguesa [Maio-1503/Junho-1504] Vespúcio diz que eles ficaram no Cabo Frio durante 5 meses. Fizeram feitorias, e exploraram a região, com guias índios, num arco impreciso de uns 100/150 km... Esta região explorada deve incluir o entorno da Lagoa de Araruama, e a encosta da Serra do Mar por onde desce o rio Macaé em Casimiro. [c]
A guarnição de 24 homens desta primeira feitoria deixada pelos portugueses em Arraial do Cabo, talvez acrescentada de mais militares ou degredados, acabou sendo dizimada em 1526 pelos Tamoios. Em 1556 os franceses tinham relações amistosas com os Tamoios locais. Mesmo assim, a região permaneceu sempre fortificada e com portos controlados pelos portugueses. [b]
Nesta época, aquele porto era um dos principais escoadouros da produção agrícola e extrativista. O ouro e as pedras preciosas passaram a ter tanta significação quanto o couro, a lã, o algodão, as madeiras para tinta vermelha, as pimentas sazonadas no atlântico sul, e assim por diante.
A se considerar que os caminhos eram escolhidos na medida em que os colonizadores conseguiam instalar seus povoados ao longo dos rios, este caminho de subida pelo rio Macaé deve ser um dos mais antigos na colonização...
Essa foi, de fato, a primeira expedição feita por luso-navegantes em Território Brasilis...!!

[b] A chamada “Guerra de Cabo Frio” aconteceu em 1575. O governador do Rio de Janeiro, Antônio Salema, reuniu poderoso exército com integrantes da Guanabara, São Vicente e Espírito Santo, apoiado por grande tropa Tupiniquim catequizada. Os oficiais e soldados seguiram por terra e mar, tendo como objetivo liquidar o último bastião da Confederação dos Tamoios e acabar com o domínio francês que já durava vinte anos em Cabo Frio.
Em 1615, depois que o governador da capitania Constantino Menelau expulsou com sua esquadra um entreposto de ingleses e franceses, ele recebeu ordens do Rei Filipe III, da Espanha para mais uma vez retornar à região e estabelecer uma povoação. Em 13 de novembro de 1615, o Arraial de Cabo Frio foi fundado, com a ajuda de quatrocentos homens brancos e índios catequizados. O Forte de São Mateus foi reconstruído, na entrada da lagoa.
cabofrio.rj.gov.br/historia






Nau Santa Maria







[c] A subida do Rio Macaé próximo a Casimiro está a 54km de Cabo Frio; Cantagalo está a 105km; Niterói está a 115 km [em linha reta]. Ao que tudo indica, a região em que a segunda expedição portuguesa no relato de Américo Vespúcio passou cinco meses não poderia ser a Guanabara, conforme a tese que havia sido inicialmente aceita pelos historiadores:
A expedição portuguesa de 1503, comandada por Gonçalo Coelho, partiu com 1 nau e 5 caravelas com a missão de contornar o continente americano no Sul, e viajar para o Oriente, até Málaga. Vespúcio comandava uma das caravelas. Eles chegaram à Ilha de Fernando de Noronha em 10 de Agosto. Porém a nau capitânea bateu contra “escolhos” e afundou, salvando-se apenas a tripulação. Vespúcio recebeu ordens de aguardar numa praia com sua caravela, enquanto Gonçalo Coelho ficou à deriva, recolhendo os marinheiros nas outras caravelas. Ele não cumpriu o trato de se reunir com Vespúcio, que esperou 8 dias. Uma segunda caravela veio ao encontro de Vespúcio, e ele foi informado de que Gonçalo havia partido para o Sul, com as outras 3 caravelas.
A Baía de Todos os Santos, já identificada, seria o local combinado para reunir navios de qualquer expedição que se desmembrasse. Vespúcio esperou mais de 2 meses na Bahia, mas Gonçalo não apareceu.
Foi assim que Vespúcio se dirigiu para o Cabo Frio: Eles devem ter-se entendido bem com os Índios dali e tiveram tempo e recursos de sobra para se fixarem entre os dois cabos, Arraial e Búzios, e fazer o reconhecimento da região serrana. Apesar de que na carta de Vespúcio a Soderini (única em que é mencionada a segunda viagem portuguesa de Vespúcio) – a latitude aparece com erro (18° ao invés de 23°), há confirmação de que eles estavam mesmo no Cabo Frio, o que ficou registrado no regimento do roteiro da Expedição da Nau Bretoa, em 1511, que foi enviada até a Feitoria em Cabo Frio.
Entretanto, Varnhagen observa [pags. 87, 88] que teria sido Gonçalo Coelho, e suas 3 naus, que teriam se instalado na Guanabara. Varnhagen cita uma “relação ou gazeta” que ele supõe ter sido escrita por um estrangeiro, em Lisboa em 1506, e que seria baseada em portulanos da excursão de Gonçalo Coelho, que alcançou a Baía de São Mathias, na Argentina, a 41° Sul: Zeitung aus Presilig Landt (Uma edição alemã do original - ?). Eles acreditaram que ali seria o extremo do continente, que poderia ser contornado, para se navegar até o Oriente, e se chegar a Málaga, que estaria apenas a umas 600 léguas.
Entretanto, devido a um tempo tempestuoso eles decidiram voltar, e navegaram subindo de volta a costa sul-americana, reconhecendo a embocadura do Rio da Prata, então chamado de “Cabo de Santa Maria”, onde recolheram notícias sobre ouro e prata.
Vespúcio retornou a Lisboa com as 2 caravelas em 18 de Junho de 1504. Gonçalo Coelho teria retornado somente em 1506, causando especulações, e tendo-se acreditado que ele se perdera. Seu retorno causou uma polêmica com Vespúcio, que o considerava “teimoso e cabeça dura”...
Tanto no caso de Vespúcio, com sua frota reduzida, como no caso de Gonçalo Coelho, da mesma forma com poucos homens, é pouco provável que eles tivessem podido se instalar na Guanabara – de onde teriam partido para fazer explorações continentais, e de navegação por cabotagem, durante vários meses. Com uma baía fechada, com 19 tribos indígenas diferentes, não seria um local apropriado para os expedicionários se instalarem. Varnhagen menciona um “arquivo” que relatava o sacrifício de dois padres por índios bárbaros na Guanabara, os quais estavam nessa expedição de 1503.
É mais provável que Gonçalo tenha se instalado com seus homens em São Vicente. Na costa brasileira tanto haviam Índios dóceis e amigáveis, quanto haviam os “bárbaros canibais”... No litoral da Bahia os Tupiniquins eram dóceis, segundo Vespúcio.

Essa leitura é baseada no texto do pesquisador italiano Riccardo Fontana O Paraíso Terrestre de Américo Vespúcio, primeira ed. brasileira 1994; terceira ed. revista 2001; trad. do italiano:

Fontana tem como referência fundamental a leitura feita por Varnhagen [História Geral do Brazil, 1857-1877] [d] acerca das viagens e relatórios de Vespúcio. Este estudioso italiano retoma as teses de releitura feitas pelos Historiadores Almte Max Guedes [1975], e Werneck da Cunha [1986; 1992] – das cartas de descrições de viagem de Amerigo Vespucci, que haviam sofrido um processo de desgaste e erosão de credibilidade por autores espanhóis no século 16, e ingleses no séc. 19, baseados eles próprios em crenças de pouca justificativa documental e acadêmica.
A longa carta escrita por Vespúcio em 1504, que seria dirigida a seu confrade florentino Soderini, que descreve suas quatro viagens, veio a ser considerada “apócrifa”, mas não parece haver justificativa para tal rótulo apressado: elas certamente são cópias de cartas originais verdadeiras, porém suas passagens truncadas ou inverossímeis devem ser devidas a copistas, desatentos, ou mal intencionados – mas de modo algum ao esforçado autor, navegador, piloto e cosmógrafo esclarecido florentino.
Vespúcio terá feito não apenas 3 viagens, mas 4: duas para a Coroa Espanhola, no Caribe, e duas para o Venturoso Dom Manuel, descendo a costa brasileira. Ele se queixa de que Dom Manuel não queria lhe devolver seu Portulano – isto é, seu relatório de navegação costeira na recém descoberta Brasilis. Esse relatórios eram considerados “segredos de Estado”, na época...
Ainda assim Vespúcio menciona nesta carta de 1504 já ter composto um “Opúsculo” sobre suas “Quatro Jornadas”, mas que ele hesitava ainda em lançar a público. De suas cartas, ou de cópias de passagens deste Opúsculo, surgiram várias versões de suas viagens, que correram o mundo. A versão batizada de Novus Mundus é uma condensação e transcrição de seus relatórios da viagem de 1501-02, escrita em latim, lançada na Alemanha em 1504. Esta versão teve mais do que 50 traduções, em todas principais línguas européias, até 1550.
A Fundação Darcy Ribeiro (no Bairro de Santa Teresa, R.J.), traz um PDF com tradução brasileira para as Cartas de Américo Vespúcio: As 3 cartas para Lourenço Médici (consideradas autênticas), e o Mundus Novus, e a carta para Soderini (considerados "apócrifos"):
fundar.org.br/publicacoes/biblioteca-basica-brasileira/novo-mundo-as-cartas-que-batizaram-a-america/




















Mapa de Ramusio, 1556 - Neste mapa a Ponta Seixas está apontando o Levante (Leste); a costa norte do Nordeste aponta a Tramontina (Norte); o Rio da Prata aparece no alto à esquerda.

[d] Vol. I, cap. VI:
Não sabemos ao certo em que data, do anno de 1500, foi recebida em Lisboa a nova do achamento, por Cabral, das terras de Porto Seguro. Em todo o caso alguma demora houve em aprestar-se uma pequena frota, de trez caravellas, que foi destinada a reconhecer a qualidade, valor e extensão da nova terra descoberta. Só alcançaram os novos expedicionários [sua partida] em meiados de Maio do anno seguinte de 1501, antes do regresso de Cabral a Lisboa, vindo a encontral-o no porto de Bezenégue, junto do Cabo Verde [Dakar]. [pag. 81]

[Segunda expedição portuguesa, que partiu em 10 de Maio de 1503]: N’esta conformidade, seguiram para o sul, e foram entrando em differentes portos até chegarem ao de Cabo Frio. Havendo aqui feito boa carga de páo brazil, resolveram regressar com ella a Portugal, deixando no mesmo cabo estabelecida uma pequena feitoria, guarnecida de vinte e quatro homens; tendo Vespucci, antes de partir, effectuado uma excursão pela terra dentro, na distancia de umas quarenta léguas. Os dois navios vieram a aportar a Lisboa aos 18 de junho de 1504. [pag. 86]
Amerigo Vespucci, que (com Hojeda) acompanhara a primeira das três expedições que correram para loeste a parte septentrional da nossa costa, e que depois visitou por duas vezes o littoral, desde o cabo de São Roque para o sul, foi naturalmente o primeiro europeu que navegou por toda a extensão da fronteira marítima do actual império do Brazil, e foi também o primeiro que por si próprio se inteirou da grande extensão continental que hoje se chama America do Sul, e que sem injustiça se poderia chamar America... [pag. 93]




Mapa de Waldseemüler, de 1507, onde pela primeira vez nosso continente Sul recebe o nome América. Waldseemüller incluiu os relatórios de Amerigo no prólogo da edição que fez para seu mapa, que ficou logo conhecido em toda Europa.












Os Colonos Chegaram
Os primeiros colonos suiços chegaram em 1819. Depois vieram os alemães em 1823. As terras friburguenses se revelaram frias e ruins para a agricultura, e os colonos foram se transferindo na direção da Vargem Alta, São Pedro e Lumiar.
Veja no canto à direita em baixo, a estrada serra-mar está chegando em Lumiar, e faz 90 graus para esquerda, acompanhando o Rio Macaé.


De Lumiar, as trilhas conduziam:
1-- Até o centro da praça friburguense, via Fazenda de São Pedro (Heringer), Vargem Alta, Colonial 61, e Braunes;
2-- Até Mury: acompanhando o Córrego Santiago, onde começa a estrada que existe até hoje, "Alto dos 50"--  serra dos lotes coloniais 60, 50, 39, até Stucky [Colonial 38] e Mury [Colonial 19].
3-- Até Bom Jardim, via Santo Antônio, e trevo de Barra Alegre.




Núcleo Colonial 61, construção de 1926.